Storicamente. Laboratorio di storia

Dossier

Portugal, África e a Grande Guerra: entre a neutralidade e a não beligerância (1914-1916)

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Abstract

The historiographical renovation that involved Portugal in the studies about the First World War was not followed by a detailed analysis of the ambiguous position of the Republic in the first two years of war: Portugal has been the only country in Europe that, between 1914 and 1916, despite of a non-declared neutrality in the conflict, was involved in an African war against Germany. This text tries to fill a gap in this field, suggesting a more detailed timeline about the evolution of portuguese position in the war. The scope of the work is to identify the goals that brought Portugal, in march 1916, from a non-declared neutrality to an active role in the conflict.

Indefinição

A historiografia da Grande Guerra conheceu uma sismo científico nos últimos 25 anos, que se traduziu numa viragem para o estudo da sociedade e da cultura [1]. Este revitalizar de linhas de investigação privilegiou a análise comparativa e abordagens transnacionais, contribuindo para inovar temas clássicos como o papel da sociedade civil ou a moral das tropas [Jones H. 2013].

A renovação historiográfica a que Portugal tem assistido no âmbito dos estudos da I Guerra Mundial não tem sido acompanhada de uma análise detalhada da posição ambígua da República nos dois primeiros anos de guerra: Portugal foi o único país envolvido no conflito que, entre 1914 e 1916, manteve uma neutralidade não declarada na Europa e travou, simultaneamente, uma guerra em África contra a Alemanha [2]. A história da participação de Portugal na Grande Guerra tem sido, todavia, dominada pela abordagem de aspectos militares e diplomáticos, sobretudo a partir dos primeiros anos da década de 90 do século XX, quando foram publicados os trabalhos de Luís Alves de Fraga [1990] e Nuno Severiano Teixeira [1996]. Esta natureza “bicéfala” da historiografia portuguesa ganha maior relevância se tivermos presente, a enorme lacuna sobre o estudo dos teatros de guerra africanos, este texto procura avançar uma periodização mais detalhada relativamente à evolução da posição portuguesa face à guerra na Europa, de modo a compreender e identificar os objectivos que levaram à transformação de uma posição de neutralidade não declarada, em beligerância activa, a partir de Março de 1916.

Quando eclodiu a guerra na Europa a República portuguesa era um regime com uma população rural na sua maioria analfabeta (80%) incapaz de gerar paz social ou garantir a estabilidade política necessária à governação e onde, para além das divisões internas entre monárquicos e republicanos, continuava por cumprir a reorganização do exército, promulgada a 26 de Maio de 1911 [3], apesar da República ter a noção clara que a sua transformação seria indissociável da sobrevivência do regime. A reforma assentava no principio de que os exércitos permanentes eram «[...] instituições liquidadas» [4], por isso o dispositivo do novo exército republicano devia ser constituído por unidades espalhadas por todo o território, compostas por um núcleo profissional que perdia importância para dar lugar a exércitos milicianos que deveriam assentar num sistema de recrutamento, instrução e mobilização adequado. A reforma, feita contra a vontade do Exército, e apoiando-se numa população maioritariamente analfabeta, seria aniquilada pela eclosão da Grande Guerra.

A 16 de Novembro de 1913 tinham sido realizadas eleições suplementares e o partido Democrático tinha saído vencedor, elegendo 34 deputados. O seu líder, Afonso Costa, conquistou a maioria na Câmara dos Deputados, mas não a conseguiu obter no Senado, o que tornou recorrentes os conflitos entre as duas casas do Parlamento. O presidente da República, Manuel de Arriaga, avançou como solução para resolver o conflito a organização de um governo extrapartidário; a 24 de Janeiro escreveu aos líderes dos três partidos da República: Afonso Costa, António José de Almeida e Brito Camacho, no entanto a sua proposta acabou por não ser bem-recebida por Afonso Costa que de imediato apresentou o pedido de demissão do governo [Arriaga 1916]. A 9 de Fevereiro de 1914, Bernardino Machado, tomou posse como presidente do Ministério e comprometeu-se a «[...] ocupar o cargo para que fora nomeado até que se realizassem eleições gerais» [5].

Foi no meio desta instabilidade política que Portugal acompanhou a declaração de guerra da Alemanha à França e a invasão do Luxemburgo, a 3 de Agosto de 1914. Afirmava-se então nas páginas do jornal A Capital que a guerra que eclodira na Europa, não admitia «[...] Estados neutros» [6]. No dia seguinte, quando a Alemanha declarou guerra à Grã-Bretanha A Capital noticiava que Portugal haveria de tomar «[...] em todas as circunstâncias, a atitude que [...] lhe impuserem e que a sua honra, a sua lealdade e as suas tradições lhe indicarem» [7]. O jornal República, afecto ao Partido Republicano Evolucionista afirmava no seu editorial que Portugal devia «[...] esperar numa calma expectativa o desenrolar dos acontecimentos» [8]. A Grã-Bretanha tinha entrado na guerra ao lado da França, mas ao longo dos dois anos seguintes a posição de Portugal continuaria a não ser clara; no telegrama que enviou ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Sidónio Pais, então chefe da Legação de Portugal em Berlim, declarava em tom de desabafo: «A nosso respeito nada se sabe, mas os alemães pensam que, mais tarde ou mais cedo, teremos de participar na guerra, e calculam que tal participação não será a seu favor» [9]. Portugal e a Grã-Bretanha encontravam-se unidos desde 1373 pelo tratado anglo-português, a mais antiga aliança diplomática defensiva do Mundo, o que obrigava o governo luso (um gabinete minoritário apoiado pelo presidente da República Manuel de Arriaga), a agir articuladamente com a monarquia britânica.

A posição geo-estratégica dos territórios portugueses em África, aliada à dimensão periférica, económica e financeiramente débil da metrópole era, logo após o assassínio de Francisco Fernando, marcadamente periclitante, forçando a República a acompanhar a evolução da situação internacional. Apesar da aliança secular que mantinha com Portugal, a Grã-Bretanha por duas vezes, em 1898 e em 1912/13, tinha discutido secretamente com a Alemanha a partilha das colónias portuguesas em África.

O continente africano tinha conseguido transformar-se a partir do final do século XIX numa região que, gradualmente, se foi tornando, estrategicamente, importante. O ultimato britânico de 1890 é um exemplo da natureza global do imperialismo europeu de finais de Oitocentos, que acabaria por empurrar Portugal para a posição de ter que disputar, de modo a assegurar, um lugar na geografia política tanto da Europa, como de África. Importa deste modo ter presente quando se analisa a mobilização da República para a frente africana de guerra, que a geração republicana, que estava no poder quando o conflito eclodiu na Europa no Verão de 1914, era a mesma que tinha vivido o ultimato – exigindo que as forças militares chefiadas pelo major Serpa Pinto retirassem dos territórios compreendidos entre Moçambique e Angola – e que criticou publicamente a política de cedência aos interesses ingleses, protagonizada pelo rei D. Carlos, considerando-a uma verdadeira humilhação nacional. Esta ideia da indispensabilidade de se manter um império uno e indivisível, cuja defesa era preciso assegurar, assentou, desde logo, na óptica da propaganda republicana, num problema muito mais amplo e complexo assente na necessidade de se realizar uma mudança de regime político capaz de revitalizar o império.

De resto a questão da delimitação de fronteiras, continuava a ser extremamente importante. O governo chefiado por Bernardino Machado acabaria por autorizar que se investisse, no ano económico de 1914-1915, até 94.000 $ na demarcação de fronteiras nas colónias. Os limites da fronteira norte da colónia de Moçambique eram ainda pouco conhecidos, em parte devido à dificuldade de entendimento entre Portugal e a Alemanha por causa da perda do triângulo de Quionga. Apesar de possuir um vasto império colonial na véspera da Grande Guerra a opinião pública portuguesa continuava sem conhecer África e os africanos: solos e minas continuavam, em grande parte, por explorar, e as línguas nativas permaneciam por estudar. A maioria dos titulares da pasta das colónias, mais do que criar política, limitou-se a supervisionar, a partir de Lisboa, territórios que nunca chegou sequer a visitar.

No início de Janeiro de 1914, Edward Grey escrevia ao embaixador inglês em França, Francis Bertie, informando-o da conversa que tivera com o embaixador francês em Londres, Paul Cambon, e onde transparecia a preocupação do diplomata relativamente ao território de Cabinda, atribuído a Portugal durante a Conferência de Berlim [10]. Cambon temia que a Alemanha, com base no acordo anglo-germânico, evocasse o uso de direitos de preferência sobre o território [11], levando-o a encarar os acordos como uma possível ameaça, ainda que longínqua, à colónia de Madagáscar. Durante a guerra entre a Grã-Bretanha e o Transvaal, o comandante em chefe das tropas britânicas, Lord Roberts, tinha pedido autorização ao governo português para que tropas britânicas atravessassem Moçambique de modo a possibilitar um ataque ao Transvaal pelo norte. Muitos transvalianos, na sequência da guerra com a Grã-Bretanha, acabaram por se refugiar em Moçambique e aí permaneceram, uma vez terminado o confronto.

O início da Grande Guerra tem por isso sido apontado por alguns historiadores como um dos factores que impediu a divisão das colónias africanas entre britânicos e alemães [Samson 2012], dando às pequenas potências, como Portugal e a Bélgica, a capacidade de assegurarem não só a integridade dos respectivos impérios coloniais, como a possibilidade de perspectivarem a sua expansão [Pires, Fogarty 2014, 41-61].

A 1 de Agosto de 1914, dia da declaração de guerra da Alemanha à Rússia, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Freire de Andrade, telegrafou ao ministro de Portugal em Londres, Teixeira Gomes, pedindo-lhe para esclarecer junto do Foreign Office qual deveria ser a posição a tomar por Portugal perante o conflito. No dia seguinte, Teixeira Gomes informava o chefe da diplomacia portuguesa que o sub-secretário de Estado Sir Eyre Crowe, entendia que Portugal se deveria manter neutral sem, contudo, o declarar [Da Costa 1925, 12]. Esta tomada de posição permitia a Londres evitar uma situação de igualdade entre todos os beligerantes, inerente a uma declaração de neutralidade, podendo solicitar à República portuguesa, se assim o entendesse, apoio logístico. O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Freire de Andrade entendia que: «Não declarando a neutralidade, declaração esta que o direito internacional não exige, somos neutrais, e devemos cumprir os deveres da neutralidade» [12]. Esta posição não era contudo clara, e a 3 de Agosto a notícia da declaração de guerra da Inglaterra à Alemanha foi recebida com alguma inquietação [13].

Neutros sem declarar

A 4 de Agosto, num telegrama dirigido ao chefe da Legação britânica em Lisboa, Lancelot Carnegie, o ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, Eyre Crowe, aconselhou, novamente, Portugal a não proclamar a neutralidade, assegurando que «em caso de ataque pela Alemanha contra qualquer possessão portuguesa, o Governo de Sua Majestade considerar-se-á ligado pelas estipulações da aliança anglo-britânica» [14]. A Grã-Bretanha pretendia que Portugal se mantivesse neutral sem, contudo, o declarar. Por trás desta tomada de posição do governo inglês estava a compreensão da importância estratégica dos portos atlânticos e de África poderem vir a ser utilizados pela Royal Navy, bem como a possibilidade de vir a ser autorizada a passagem de tropas britânicas pelos territórios coloniais portugueses. Três dias mais tarde o presidente do Ministério, Bernardino Machado, discursou perante o Congresso da República. Na declaração que proferiu Machado, mantendo-se fiel aos compromissos assumidos no âmbito da aliança, afirmou que Portugal possuía não só «[...] recursos próprios bastantes [...] como contava com um povo laborioso, garante da honra e do prestígio da Pátria» [15], e, abstendo-se de declarar a neutralidade, deixou claro não haver qualquer intenção de ruptura entre o governo português, a Alemanha ou o império Austro-Húngaro. Vale a pena ter presente que para a diplomacia de Londres a declaração de Bernardino Machado permitia a Portugal desempenhar o papel de “aliado colaboracionista” capaz de fornecer peças de artilharia ou de garantir o direito de passagem de tropas, sem, todavia, entrar em confronto directo com os Impérios Centrais, orientação que, de resto, agradava, também, à Alemanha [16]. Entre 1914 e 1916 Portugal acabaria por fornecer víveres para Gibraltar, madeira para as minas e auxilio aos navios de guerra britânicos, sem qualquer interferência por parte da Alemanha.

A declaração de Bernardino Machado deu origem, nesse mesmo dia, à realização, em Lisboa, de uma manifestação de apoio aos Aliados. Na mesma sessão foi votado também o alargamento de poderes, concedendo ao Governo as faculdades necessárias para «[...] garantir a ordem em todo o País e salvaguardar os interesses nacionais, assim como ocorrer a quaisquer emergências extraordinárias de carácter económico e financeiro» [17]. Porém, a situação política externa assumida por Portugal continuava a não ser clara: em Berlim Sidónio Pais afirmava continuar a ignorar a posição do governo, limitando-se a assegurar perante a diplomacia germânica: «[...] a nossa orientação de nos conservarmos fora do conflito, a menos que obrigações do Tratado, cujo texto desconhecia, nos forçassem a seguir outro caminho» [Da Costa 1925, 14]. Por sua vez o embaixador de Portugal em França, João Chagas, não tinha dúvidas ao afirmar que «[...] a imprecisão da política portuguesa nesse momento estava produzindo o pior efeito na opinião deste país [...]» [Martins 1934, 58]. Chagas defendia que Portugal deveria declarar-se beligerante, abandonando qualquer ideia de neutralidade. O ministro dos Negócios Estrangeiros em circular dirigida aos restantes membros do governo e aos ministros de Portugal em Londres e Madrid justificava porque é que Portugal não se declarava neutral:

[...] não declaramos neutralidade porque, tendo um tratado de aliança com a Inglaterra não o deveríamos fazer, por isso que, de um momento para o outro e quando solicitados pela Inglaterra, podíamos ter que faltar aos deveres dos neutros. Não desejou por ora a Inglaterra o nosso auxílio, por isso o não solicitou e antes nos tem recomendado prudência constantemente. E porquê ? Por timidez própria, ou porque receie que lha não demos ? Decerto que não, porque as nossas declarações foram peremptórias. Mas a verdade é que o auxílio que podemos dar à Inglaterra actualmente é pequeno e não a compensaria de se poder ver obrigada a ver defender o nosso território e também o das nossas colónias [...] Não nos devem ser indiferentes as indicações do Governo inglês e, ainda mais, a sua manifesta vontade de que procedamos com a maior prudência e sem excessos, comprovada pelas recomendações verbalmente feitas, pelo procedimento dos seus Representantes [18].

Este desejo da Grã-Bretanha está presente em toda a correspondência trocada entre Edward Grey e Freire de Andrade. A 29 de Agosto Freire de Andrade referindo-se a uma conversa com Lancelot Carnegie afirmou: «Mostrou-me uma nota de Sir. Ed. Grey, datada de 13, em que nos dizia para nos declarar verbalmente que não declarássemos a neutralidade e, se nos pedissem explicações, disséssemos que o não fazíamos por ser aliados da Inglaterra e esta se encontrar em estado de guerra, mas cumpríssemos os deveres dos neutros» [Martins 1934, 57-58]. Na madrugada de 24 de Agosto uma força militar alemã tinha atacado o posto português de Maziúa, em Moçambique, e morto a tiro o seu chefe, o incidente não levou, contudo, Portugal a abandonar a posição ambígua em que se encontrava, Freire de Andrade escreveu a Sidónio Pais para justificar a razão de ser da posição portuguesa:

Portugal não declara a neutralidade porque, sendo aliado da Grã-Bretanha, está na disposição de cumprir firme e lealmente os deveres que daí lhe derivem, desde que for solicitado. O nosso desejo é mantermo-nos estranhos ao conflito. Não hesitaríamos em nele tomar parte, sob a invocação da Aliança, quando a Inglaterra no-lo solicitasse, mas, fora dessa obrigação de lealdade, procederemos como neutrais. Regulamo-nos pelos nossos compromissos para com a Inglaterra e pelos nossos interesses próprios [19].

Esta tomada de posição era também do agrado do ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Edward Grey.

Apesar de nunca ter sido oficialmente declarada, a Grande Guerra teve início, na África Oriental, com o ataque do porto de Dar es Salaam pela Gã-Bretanha, a 8 de Agosto de 1914. A Grã Bretanha ainda tentou chegar a um entendimento que garantisse a neutralidade do continente africano, face à guerra na Europa, sem sucesso [Killingray 1998, 92]. De uma forma geral esperava-se que as disposições do Tratado de Berlim (1885) relativas à neutralidade da bacia convencional do Congo permitissem evitar que a guerra se alastrasse à África Ocidental e Central. No início do Verão de 1914 não existiam tensões entre colonos britânicos e alemães, as guarnições militares da África Oriental britânica e alemã eram pouco expressivas, totalizando 2 400 oficiais e askaris, e 216 oficiais e 2 540 askaris, respectivamente. O decreto que regia a organização militar de Moçambique tinha sido publicado a 14 de Novembro de 1901 e a guarnição europeia que se encontrava na colónia cingia-se a um esquadrão e a poucas companhias indígenas, fracamente instruídas. Sabia-se, no entanto, que as forças europeias tinham ao seu dispor artilharia moderna, aviões e comunicações radiotelegráficas de grande alcance.

No Verão de 1914, quando a guerra na Europa teve início, o exército português tinha tido apenas três períodos de treino, encontrando-se em plena reorganização e, como tal, mais orientado para a defesa interna do que para qualquer tipo de intervenção na Europa ou em África. Estava razoavelmente equipado, apesar de não se encontrar ao nível operacional das forças militares da maioria dos estados europeus. Portugal não possuía nenhuma fábrica de armas.

Apesar do início da Guerra ter criado de imediato um clima de tensão e suspeita entre os alemães e britânicos que viviam na colónia o alastrar do conflito ao continente africano nunca foi questionado, nem debatido. Não se pensou muito nos contornos ou nas consequências deste envolvimento, apesar de alguns artigos publicados na imprensa deixarem já transparecer que as suas consequências iriam ter impacto na geografia do continente [20]; a União Sul Africana estava cada vez mais autónoma da coroa britânica, representando um perigo e uma ameaça crescente para o equilíbrio regional e para os interesses dos portugueses, desde logo em Moçambique. As preocupações da União Sul Africana tinham uma dimensão dupla: (i) a União acreditava que os alemães estavam a utilizar Moçambique para contrabandear bens para as colónias alemães; e (ii) ambicionava tomar posse da colónia portuguesa, uma vez terminada a guerra.

A 10 de Outubro, a pretexto de um pedido do governo francês solicitando o envio de peças de artilharia a Portugal – o Partido Democrático impôs como condição que os equipamentos fossem acompanhados por tropas portuguesas – Edward Grey redigiu um memorando convidando Portugal a abandonar a posição «ambígua» em que se encontrava e a colocar-se activamente ao lado da Grã-Bretanha e dos seus Aliados [21]. Esta situação suscitou novas dúvidas relativamente à posição portuguesa; no relatório que dirigiu ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Edward Grey, o embaixador britânico em Espanha, Arthur Hardinge, informava que a Grã-Bretanha tinha aconselhado Portugal a assumir: «[...] an attitude of benevolent neutrality», concluindo que: «[...] her co-operation might entail on us increased responsibilities in regard to the protection of her colonies, but that as the latter would probably be endangered by the victory of Germany, she perhaps felt she had more to gain than to lose by actively supporting the allies» [22]. Na verdade, em resposta ao memorando, o ministro de Portugal em Londres, Manuel Teixeira Gomes, pergunta a Edward Grey qual deveria ser a atitude de Portugal para com a Alemanha, sendo-lhe respondido: «Que não devíamos declarar o estado de guerra, antes de embarcar o primeiro contingente. Quanto a assistência financeira a Portugal, estava assente em princípio» [Costa 1925, 20].

A 23 de Novembro, o Congresso da República aprovou uma proposta autorizando o Governo a intervir na Guerra quando achasse mais conveniente. Tal como tinha acontecido a 7 de Outubro o Congresso, reunido extraordinariamente, conferiu ao Governo plenos poderes para conduzir a política externa, mas daí não resultou, uma vez mais, qualquer ruptura diplomática com a Alemanha.

Guerra em África

Em 1914, ano da eclosão da Grande Guerra, com excepção da Etiópia, da Libéria e da União Sul Africana, que eram independentes, da Líbia e de Marrocos que não tinham sido ainda “formalmente conquistados”, o resto do continente africano encontrava-se já ocupado e dividido entre o Reino Unido, França, Alemanha, Portugal, Espanha, Itália e Bélgica. O Reino Unido era então o mais importante poder imperial em África, não apenas em termos de extensão territorial e população mas porque controlava as principais rotas comerciais a sul do Sahara [Roberts 1986, 3], a Alemanha, por sua vez, dando continuidade à política iniciada por Bismark no final do século XIX, detinha um pequeno império, mas estrategicamente posicionado, estendendo-se de Madagáscar até à entrada do Mar Vermelho. Ambos os impérios faziam fronteira com territórios sob administração portuguesa, cujo domínio, britânicos e alemães disputavam no palco internacional [Pires, Fogarty 2014, 41-61].

Logo após a declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha, a 4 de Agosto de 1914, uma das principais prioridades de Londres foi eliminar/controlar o potencial estratégico das possessões e colónias alemãs um pouco por todo o Mundo, orientação que se fez sentir de forma particularmente activa na América Latina [Dehne 2010] e em África e que consistiu em capturar instalações portuárias e estações de cabos submarinos. Esse era um dos postulados que se encontrava inscrito no memorando elaborado pelo cônsul britânico Erroll Macdonell, acerca das possibilidades da Grã-Bretanha resgatar os negócios alemães na África Portuguesa, nomeadamente em Moçambique [Pires 2011].

A eclosão da guerra na Europa implicava que se equacionasse o reforço das guarnições militares sobretudo nos territórios administrados pela Companhia do Niassa, onde a presença portuguesa era diminuta. Após a declaração de guerra da Alemanha à Rússia o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Freire de Andrade, telegrafou ao ministro de Portugal em Londres, Teixeira Gomes, pedindo-lhe para ver junto do Foreign Office qual deveria ser a posição a tomar pelo governo português, perante o conflito europeu, no telegrama de resposta Teixeira Gomes afirmou ter «[...] insistido com o governo inglês para estudar sem demora a defesa das nossas colónias de África contra o golpe de mão alemão» [23].

A 13 de Agosto Lancelot Carnegie pedia ao governo português que autorizasse a passagem de tropas através do Chinde (Moçambique) com destino à Niassalândia (actual Malawi) [24]. Na sequência deste pedido o ministro de Portugal em Londres, Teixeira Gomes, insinuou a Eyre Crowe que Portugal mantinha a ambição de reaver Quionga – o pequeno território situado na fronteira da África Oriental alemã ocupado por uma força naval germânica a 16 de Junho de 1894 – sem contudo «[...] mostrar ser intenção nossa pedir compensação pelo favor dispensado» [25].

A 21 de Agosto de 1914 Bernardino Machado decretou a organização e o envio de dois destacamentos mistos (artilharia de montanha, cavalaria, infantaria e metralhadoras) com destino a Angola e Moçambique. No preâmbulo do diploma o governo reconhecia a imprescindibilidade de «[…] nas actuais circunstâncias, serem devidamente guarnecidos alguns pontos das fronteiras Sul da província de Angola e Norte de Moçambique» [26]. No total foram mobilizados 1525 homens para Angola e 1477 para Moçambique, por esta altura o exército português tinha pouco mais de trinta e um mil efectivos [27]. Devido à posição ambígua em que Portugal se encontrava, desde o início do conflito, não se podendo declarar nem beligerante nem neutral, ambas as expedições foram organizadas pelo Ministério das Colónias, e não pelo Ministério da Guerra, porque desta acção não tinha resultado qualquer declaração de guerra à Alemanha ou aos seus aliados, as medidas tomadas por Portugal, com a aprovação da Grã-Bretanha, eram meras disposições preventivas de defesa colonial. A 9 de Agosto, em circular enviada aos restantes membros do Governo e aos ministros de Portugal em Londres e Madrid, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freire de Andrade, tinha-se mostrado contrário a uma intervenção de Portugal na frente europeia de guerra e lembrou os inconvenientes de uma afronta à Alemanha [28]. A Inglaterra tinha informado que não poderia proteger as fronteiras terrestres dos territórios portugueses no continente africano.

O envio de expedições militares para África, em particular para Moçambique, adquire ainda uma importância acrescida se a colocarmos num cenário em que uma África do Sul, cada vez mais autónoma da coroa britânica, representava um perigo e uma ameaça crescente para o equilíbrio regional e para os interesses dos portugueses [Arrifes 2004]. Já depois da entrada de Portugal na Guerra na Europa, o ministro de Portugal em Londres, Teixeira Gomes, irá afirmar que o envio de tropas para África era a única garantia que Portugal teria «[…] de impor no futuro algum respeito aos […] vizinhos» [29]. No caso do Transvaal, Lourenço Marques era a há muito procurada saída do território para o mar, quanto a Angola, em Janeiro de 1913, o governador-geral, Norton de Matos, tinha escrito uma carta ao ministro das Colónias alertando-o para os perigos decorrentes do início de uma guerra envolvendo a Alemanha: «[...] dentro de poucos meses, a Alemanha fará rebentar a guerra e [...] um dos seus primeiros actos de agressão armada, será a invasão de Angola e Moçambique [...] o meu pedido instante que perante o Governo da República tão insistentemente tenho posto, para que se trate da defesa militar desta vastíssima região portuguesa» [Matos 1945, 19; 21-22]. Era também necessário gerir ainda as ambições da Bélgica relativamente a Cabinda, Portugal deveria evitar, contudo, que destas acções de defesa interna resultassem incidentes de cariz internacional, justificando-se a medida nas páginas da imprensa:

É natural que a nossa aliança, sobretudo, depois de algumas afirmações trocadas entre os governos dos dois países sirva de facto, para garantir a integridade das possessões portuguesas. Mas querer alcançar essa garantia de braços cruzados, sem se mostrar de um modo efectivo que somos capazes, por nossa parte, de empregar também todos os possíveis esforços para defendermos aquilo que possuímos, é colocar o País numa situação humilhante e deprimente em face da grande nação inglesa que só há uma palavra para a traduzir: - protectorado [30].

Sob o manto de uma neutralidade nunca declarada Moçambique surgiu como uma zona tampão entre os territórios britânicos e alemães, local de passagem de matérias primas (contrabando), alimentos e plataforma privilegiada para a aquisição de informações (espionagem) de importância vital para britânicos e alemães ao longo do desenrolar do conflito. Alfredo Lisboa de Lima, então ministro das Colónias, encarregou o governador do Niassa de fiscalizar a fronteira do Rovuma, colocando, sob estreita vigilância, todos os navios alemães fundeados na colónia.

As primeiras tropas portuguesas chegaram a Moçamedes (Angola), e a Lourenço Marques (Moçambique), respectivamente a 1 e 16 de Outubro de 1914. Ainda em Dezembro desse ano dar-se-ia um novo incidente com tropas alemãs, desta vez em Angola; as tropas portuguesas sob comando de Alves Roçadas foram derrotadas em Naulila e forçadas a retirar para Humbe. A imprensa local dava conta da desorganização e da demora no desembarque das tropas:

O que se tem passado com a malfadada expedição ultrapassou tudo quanto até aqui se tinha visto [...] A expedição que devia gastar 23 dias gastou 35 [...] depois de muito passeadas as tropas que, seja dito de passagem, deixam muito a desejar a respeito de correcção, porte e estado de asseio [...] [31].

Já quase no final da guerra o comandante militar das forças sul africanas, Van Deventer, iria tecer inúmeras críticas relativamente ao desempenho das tropas portuguesas afirmando que estas eram «[...] totally unreliable, and a source of grave danger to their Allies. The personnel, both European and African, is of the poorest possible quality» [32].

Logo a 5 de Novembro de 1914, em artigo publicado no jornal República, António José de Almeida, então líder do Partido Republicano Evolucionista justificava de forma bastante ilustrativa qual a razão de ser da mobilização de tropas portuguesas para o continente africano:

Eles vão a África para um efeito único: defender a terra que nos legaram os nossos maiores. Vão combater para que permaneça sob a nossa bandeira a terra que é o ossuário dos nossos mártires e túmulo dos nossos heróis. Eles não vão talar, arrasar, conquistar o solo alheio; vão defender a própria terra. Eles não querem avassalar ninguém; querem apenas bater-se para que ninguém nos avassale. Eles não se sentem animados pela cobiça do que é dos outros; desejam apenas guardar para os portugueses aquilo que é deles, porque legitimamente o herdaram de quem o conquistou com a força dos seus braços e o sangue do seu corpo [33].

Também o unionista Brito Camacho que, desde a notícia da declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha, em Agosto de 1914, se tinha mostrado contrário a uma intervenção de Portugal no teatro de guerra europeu, justificou de forma bastante pragmática e apoiando-se no argumento financeiro, quais as principais diferenças entre manter uma campanha militar na Europa e em África:

Guerrearíamos em África? Aí paga-se em notas do Banco de Portugal, em notas do Banco Ultramarino, e a judiaria financeira não tinha a margem de lucros que ambicionava. O mesmo não sucederia guerreando-se na França, porque aí teria de se pagar em ouro, e pois que o Estado o não tinha, carecia de o pedir emprestado [Camacho 1934, 170].

A verdade é que nas páginas de jornais como O Africano, diário publicado em Lourenço Marques, fundado pelo moçambicano João dos Santos Albasini, transpareciam as dúvidas quanto à necessidade de enviar tropas para a colónia: «Porque também ainda não chegamos a compreender as razões poderosas decerto que levaram o governo a mandar para esta província e para a de Angola as expedições militares, alguém se lembrou de nos enviar um recorte de um jornal de Lisboa [...]» [34]. Dúvidas e incertezas que, no final do ano, continuavam a transparecer nas páginas da imprensa:

Vieram para as colónias 6 ou 8 mil homens armados e equipados, para quê ? Para defender a nossa soberania colonial, não é isso que dizem ? Pois vão ver onde está essa defesa: as tropas que há meses vieram para esta província, ainda hoje se conservam, segundo as informações que temos, em Porto Amélia ! Esperando o quê ? [35]

Os territórios africanos, encontravam-se num estádio de desenvolvimento bastante incipiente quando eclodiu a I Guerra Mundial: a população branca portuguesa era diminuta (cerca de 11 000 pessoas em Angola e 20 000 em Moçambique), a rede de transportes incipiente, as fronteiras não se encontravam ainda demarcadas e alguns dos territórios, nomeadamente em Angola, não estavam ainda pacificados, não sendo por isso estranha a falta, notória, de quadros administrativos [Proença 2008, 12]. Havia, sobretudo, nos corredores da diplomacia internacional, a ideia de que as principais colónias portuguesas se encontravam decadentes e que, para valorizá-las, Portugal teria que recorrer a empréstimos externos, em particular junto da praça londrina [D’Almada 1972, 9-10].

O massacre do Cuangar, na margem esquerda do rio Cubango, a 30 de Outubro, e a invasão do Cunene pelos alemães, a 12 de Dezembro, levou o Governo a organizar, logo nos primeiros dias de 1915, uma nova expedição militar com destino a Angola. No início de Agosto Edward Grey escrevia a Lancelot Carnegie informando-o do pedido que lhe havia sido feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português: «Portuguese Minister has urged that we should not raise objection to action that Portugal may be forced, in her own interest, to take against Germany». Grey, afirmou em seguida, de forma clara, qual deveria ser a atitude que a Grã-Bretanha deveria tomar: «[...] If a rupture takes place, it should be on a clear issue between Portugal and Germany taken in the interest of Portugal, and not a rupture forced on Germany as an obligation on the part of Portugal towards Great Britain» [36]. No ofício de resposta enviado a Edward Grey, Carnegie deu conta do impacto desta tomada de posição em Portugal, levando o governo: «[...] to give fuller consideration to the question of the precise advantages to be gained by taking an irrevocable step [...]» [37].

Já quase no final do ano, a 15 de Novembro, partia, com destino a Moçambique, um segundo contingente militar composto por 1543 homens; o objectivo do Governo português era reconquistar Quionga, território que era parte integrante da África Oriental alemã desde 16 de Junho de 1894, quando foi ocupado por uma força naval germânica. O triângulo de Quionga seria recuperado, apenas, em Abril de 1916, por forças comandadas pelo tenente-coronel José Luís de Moura Mendes. A 25 de Setembro de 1919 o Conselho Supremo das Potências Aliadas e Associadas restituiu-o a Portugal.

Nas páginas de alguns jornais, em artigos mais ou menos inflamados, afirmava-se que Portugal, apesar de não combater na frente europeia, devia ser considerado «[…] como lutando perto das nações aliadas que combatem o imperialismo germânico» [38]. Por esta altura não só estava em cima da mesa a negociação na praça londrina de um empréstimo, no valor de 2 000 000£, como as autoridades britânicas procuravam encontrar os instrumentos mais adequados para justificar a requisição dos navios alemães que desde o início da guerra se encontravam abrigados em portos portugueses. Aliás, nesta matéria, uma das maiores dificuldades com que a Inglaterra se vinham debatendo desde o início da Guerra dizia justamente respeito à necessidade de ver aumentada a tonelagem da respectiva frota. A questão tinha sido debatida com grande acuidade numa conferência realizada no Almirantado logo a 6 de Maio de 1915, quando se avançou, com poucas hesitações, a possibilidade da Grã-Bretanha tomar posse dos navios alemães que se encontravam em Portugal.

Na sequência da declaração de Guerra da Grã-Bretanha a Alemanha e ao Império Austro-Húngaro, cerca de 734 navios alemães tinham-se refugiado em águas neutras; destes, cerca de setenta (aproximadamente 242 000 toneladas) encontravam-se em portos portugueses. No final de Dezembro de 1915 a frota mercante nacional era composta por apenas 471 embarcações, perfazendo um total de 91 859 toneladas brutas, e a capacidade de produção dos estaleiros navais portugueses (o maior era em Viana do Castelo) não excedia as 4 600 toneladas ano. A 23 de Fevereiro de 1916, um destacamento da Armada portuguesa subiu a bordo dos navios alemães e austríacos que se encontravam no estuário do Tejo e, com honras militares, fez içar a bandeira portuguesa.

A 9 de Março de 1916 a Alemanha declarava guerra a Portugal [39]. No dia seguinte, o deputado do Partido Republicano Democrático Alexandre Braga apresentou no Senado uma moção reconhecendo a necessidade de se constituir um governo de “União Sagrada”.

A 24 de Maio de 1916, o ministro da Guerra, Norton de Matos publicou um decreto que ordenava o recenseamento militar a todos os cidadãos, sem excepção, com idades compreendidas entre os 20 e os 45 anos. Foram então mobilizados o C. E. P. (Corpo Expedicionário Português) e o C. A. P. I. (Corpo de Artilharia Pesada Independente).

O C. E. P. e o C. A. P. I. reuniram mais de 55 mil elementos, entre soldados, oficiais e pessoal auxiliar, que foram enviados para França.

Conclusões

Ao logo de dois anos, por inúmeras vezes, Portugal tinha dado argumentos à Alemanha para evocar a ruptura da neutralidade e avançar com uma declaração de guerra, mas a Alemanha nunca o fez temendo, justamente, perder não só os navios que se encontravam fundeados em portos portugueses, mas também a influência e os interesses comerciais e industriais estratégicos, que soubera conquistar tanto em Portugal continental como nas colónias.

O que é que mudou em Março de 1916? E quais as circunstâncias que justificaram a mudança de posição do governo português e levaram a uma intervenção de Portugal na Guerra ao lado da Grã-Bretanha? Podemos avançar três argumentos para justificar esta mudança de posição:

  • a tese colonial assente no papel desempenhado pelas colónias portuguesas em África e no modo como estes territórios foram sendo encarados como moeda de troca ou mecanismo de compensação no quadro geo-estratégico internacional, desde o final do século XIX;
  • a tese europeia ou peninsular que se apoia no argumento de que a República entrou na Guerra para reconquistar o lugar há muito perdido por Portugal no concerto das nações europeias, afastando, simultaneamente, os perigos de uma ameaça anexionista, mais aparente que real, que a vizinha Espanha continuava a personificar e garantindo o reforço da aliança secular com a Grã-Bretanha;
  • a tese da defesa interna da República que partindo do difícil equilíbrio entre estratégia militar e política sustenta que a intervenção de Portugal na Guerra deve ser interpretada como parte integrante do plano gizado pelo líder do Partido Democrático, Afonso Costa, para quem a intervenção portuguesa no conflito europeu serviria não só para consolidar a República, internamente, mas também para reforçar o peso dos Democráticos num cenário em que a fragmentação do espectro político nacional se acentuava cada vez mais. Em última instância a República deveria fundir-se com a Pátria e com a Nação.

As estes argumentos havia a acrescentar ainda que, em Março de 1916, os exércitos aliados se encontravam numa posição extremamente delicada na frente ocidental, necessitando de homens para combater por forma a suprir as baixas crescentes na frente de batalha, por outro lado Portugal acabou por ceder à Grã-Bretanha 44 dos navios apreendidos, duas razões de peso para justificar o apoio da Grã-Bretanha à intervenção na Guerra de um país a braços com uma situação interna complexa e com um exército mal preparado como era a República portuguesa em 1916.

Fontes

Arquivos

  • Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
  • Biblioteca Nacional de Portugal, Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, Espólio de Manuel Teixeira, Gomes.
  • National Archives of the United Kingdom.

Jornais

  • «A Capital»
  • «Jornal do Comércio e das Colónias»
  • «O Africano»
  • «República»

Bibliografia

  • Arriaga M. 1916, Na Primeira Presidência da República Portuguesa. Um rápido relatório, Lisboa: Tipografia A Editora, Ld.ª.
  • Arrifes M. F. 2004, A Primeira Grande Guerra na África Portuguesa. Angola e Moçambique (1914-1918), Lisboa: Edições Cosmos/Instituto de Defesa Nacional.
  • Camacho B. 1934, Portugal na Guerra, Lisboa: Guimarães & C.ª Editores.
  • D’Almada J. 1972, Reflexões sobre as convenções Anglo-Alemãs relativas às colónias portuguesas, 1898-1914, Coimbra: Coimbra Editora.
  • Da Costa G. 1925, Portugal na Guerra. A Guerra nas colónias 1914-1918, Lisboa: Portugal-Brasil.
  • Dehne P. 2010, On the Far Western Front: Britain’s First World War in South America, Manchester: Manchester University Press.
  • Fraga L. A. de 1990, Portugal e a 1ª Grande Guerra. Os objectivos políticos da estratégia nacional 1914-1916, Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa/Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
  • Jones H. 2013, As the centenary approaches: the regeneration of First World War Historiography, «The Historical Journal», 56: 857-878.
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  • Martins F. 1934, Portugal na Grande Guerra, vol. I, Lisboa: Editorial Ática.
  • Matos N. 1945, Memórias e trabalhos da minha vida. Factos, acontecimentos e episódios que a minha memória guardou. Conferencias, discursos e artigos e suas raízes no passado, vol. IV, Lisboa: Editorial Marítimo-Colonial.
  • Pires A. P. 2011, Portugal e a I Guerra Mundial. A República e a Economia de Guerra, Casal de Cambra: Caleidoscópio.
  • Pires A. P., Fogarty R. S. 2014, África e a Primeira Guerra Mundial, «Ler História», 66: 41-61.
  • Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). As negociações diplomáticas até à declaração de guerra, 1997, Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros.
  • Proença M. C. 2008, A Questão Colonial no Parlamento, Lisboa: Colecção Parlamento/Publicações Dom Quixote.
  • Roberts A. D. R. 1986, Introduction, in Roberts A. D. R. (ed.) 1986, The Cambridge History of Africa c. 1905-c. 1940, vol. 7, Cambridge: Cambridge University Press, 1-23.
  • Samson A. 2012, World War I in Africa: the forgotten conflict among the European powers, London: I. B. Tauris.
  • Teixeira N. S. 1996, O Poder e a Guerra 1914-1918: objectivos nacionais e estratégias políticas na entrada de Portugal na Grande Guerra, Lisboa, Editorial Estampa.
  • — 1998, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: As razões da entrada e os problemas da conduta, in Teixeira N. S. (coord.), Portugal e a Guerra. História das Intervenções Militares Portuguesas nos Grandes Conflitos Mundiais (sécs XIX e XX), Lisboa: Edições Colibri, 55-86.

Note

1. Este artigo é parte do projecto SFRH/BPD/111782/2015

2. Ver nomeadamente, Teixeira 1998.

3. Cf. Diário do Governo, 122, 26 de Maio de 1911.

4. Ibi.

5. Diário da Câmara dos Deputados, 33.ª Sessão Ordinária de 10 de Fevereiro de 1914, 6.

6. A conflagração europeia: os alemães não só entram em França e ocupam o Luxemburgo, mas invadem a Bélgica e a Holanda. A situação geral na Inglaterra, «A Capital», 4 de Agosto de 1914, 1.

7. Ibi.

8. Cf. Viva a República Portuguesa!, «República», 4 de Agosto de 1914, 1.

9. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 37.

10. National Archives of the United Kingdom (NAUK), FO371/2083, ofício de 6 de Janeiro de 1914 enviado por Sir Edward Grey a F. Bertie.

11. Ibi.

12. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 25.

13. Veja-se a este propósito a opinião manifestada na primeira página do Jornal do Comércio: «Estávamos convencidíssimos, apesar dos telegramas recebidos anteontem de madrugada serem pouco tranquilizadores, que não se daria a conflagração geral em que tanto se falava e tanto se receava […]». A Guerra na Europa, «O Jornal do Comércio e das Colónias», 4 de Agosto de 1914, 1.

14. Cf. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 17.

15. Diário do Senado, Sessão de 7 de Agosto de 1914, 2.

16. Para Ferreira Martins, que a partir de 1917 desempenhou funções de sub-chefe do Estado Maior do Corpo Expedicionário Português, a declaração feita no Parlamento por Bernardino Machado não deixava margem para dúvidas: «A partir de 7 de Agosto, perante essa declaração categórica do Parlamento da República, nenhuma nação do mundo poderia alegar inércia dos firmes propósitos da Nação Portuguesa, nenhuma poderia estranhar que Portugal se colocasse abertamente, em qualquer ocasião, ao lado da sua antiga aliada, prestando-lhe todo o auxílio que por esta lhe fosse solicitado em nome dessa aliança [...]». Cf. Martins 1934, 36.

17. Lei nº 275, Diário do Governo, I Série, nº 137, 8 de Agosto de 1914.

18. Circular de 9 e 17 de Agosto de 1914 enviada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros aos restantes membros do governo e aos ministros de Portugal em Londres e em Madrid. Cf. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 25-26.

19. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 58.

20. A guerra e nós, «O Africano», 16 de Setembro de 1914, 1.

21. Teixeira Gomes, em telegrama enviado a Freire de Andrade, a 26 de Setembro de 1914 afirmava que «[...] Portugal enviaria para França tudo quanto Inglaterra directamente nos peça desde que invoque aliança para justificar beligerância Portugal». Veja-se em particular o telegrama de 26 de Setembro de 1914 enviado pelo ministro de Portugal em Londres, Manuel Teixeira Gomes, ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Freire de Andrade em Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 69.

22. Cf. NAUK, CAB 37/121, relatório de 15 de Outubro de 1914 enviado por A. Hardinge a Edward Grey, 1.

23. Telegrama de 4 de Agosto de 1914 enviado pelo ministro de Portugal em Londres ao ministro dos Negócios Estrangeiros: Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 16.

24. Carta de 14 de Agosto de 1914 enviada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português ao ministro de Inglaterra em Lisboa: Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 32.

25. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 34. Telegrama de 15 de Agosto de 1914 enviado pelo ministro de Portugal em Londres ao ministro dos Negócios Estrangeiros.

26. «Ordem do Exército», 19, I Série, 21 de Agosto de 1914.

27. O esforço militar português, «O Instituto – Revista Científica e Literária», 67 (2): 118, Fevereiro de 1920.

28. Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 26.

29. Biblioteca Nacional de Portugal, Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, Espólio de Manuel Teixeira, Gomes, Esp. 46., Caixa 14, ofício de 4 de Setembro de 1916 enviado por Manuel Teixeira Gomes ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, 3.

30. A partida das expedições militares, «A Capital», 17 de Agosto de 1914, 1.

31. João das Regras, A expedição, «O Africano», 24 de Outubro de 1914, 1.

32. NAUK, WO 158/474, telegrama cifrado de 24 de Junho de 1918 enviado pelo General Van Deventer a Troopers.

33. António José de Almeida, Boa sorte!, «República», 5 de Novembro de 1914, 1; e também, António José de Almeida, Em plena carnifícina, «República», 7 de Novembro de 1914, 1.

34. Cf. Para a guerra. As expedições portuguesas, «O Africano», 4 de Novembro de 1914, 2.

35. Sempre neutros ! Portugal e a Alemanha, «O Africano», 30 de Dezembro de 1914, 2.

36. NAUK FO371/2083, ofício de 5 de Agosto de 1915 enviado por Sir Edward Grey a Lancelot Carnegie.

37. NAUK FO371/2083, ofício de 14 de Setembro de 1915 enviado por a Lancelot Carnegie a Sir Edward Grey.

38. O banquete de hoje, «A Capital», de 17 de Dezembro de 1915, 1.

39. Vale a pena ver a nota enviada por Carnegie ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português dois dias depois: «Não deixei de transmitir imediatamente ao Governo de Sua Majestade a informação, que por V. Ex.ª me fora dada na quinta-feira última à noite, de que o Ministro Alemão aqui lhe declarar que existia um estado de guerra entre Portugal e Alemanha e pedira os seus passaportes. […] O Governo de Sua Majestade estará ao lodo de Portugal em face do inimigo comum e Portugal pode confiar em que a sua antiga aliada a Grã-Bretanha lhe dará todo o auxílio que for possível ou necessário prestar». AHDMNE, Requisição dos Navios Alemães, 3º Piso, Armário 7, Maço 24, ofício de 11 de Março de 1916 enviado por Lancelot D. Carnegie a Augusto Soares.